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Voz de pássara — palavras de Caio Riter sobre o livro de Ana Luiza

 

Horácio, em sua Arte Poética, dizia que o bom poema é aquele que deleita e ensina: não um ensinamento formal, que aí deixaria de ser arte, mas aquele ensinar que retira máscaras, que abre portas, que desvenda. Poetar é, pois, abrir-se, é verter-se para o outro e no outro, é construir-se palavra já não só pertencente àquele que a proclama em verso.

A poesia precisa ser dita e pede, pois, quem lhe saiba dar voz, a necessária voz.

E há, creio, necessidade da poesia de Ana Luiza Antunes, cuja voz é de pássara, que procura tocar a escura superfície de si, sem abrir mão de ir ao encontro do leitor, este amante repleto de obscuridades, de esperas. E o voo nas palavras desta ave-poeta mergulha no ontem, faz do pretérito matéria de invenção, mas também diz do hoje, do tanto do concreto da modernidade com suas calçadas repletas de gentes, de homens de bermuda, de um sol que se lança sobre o cinza do presente. Alça voo nos altos, feito águia ou condor; rasteja nos baixos, como pássaro que teve as asas podadas, sem mais esquecer-se de voar.

Em seu fazer poético, Ana Luiza também se pergunta (algo tão peculiar aos grandes poetas) sobre a própria criação. Ser poeta é estar incomodado com a palavra, é estar adoentado de poesia; daí que o perguntar-se sobre si, sobre o outro, sobre o que a construiu como ser de palavras (e o que ainda a faz ser de vontades) torna-se seiva necessária para seu fazer literário. Poesia que se dobra sobre si mesma e é sempre busca.

Num tempo de imagens desgastadas e vazias, em que a poesia se constitui, muitas vezes, apenas como jogo fruitivo, em que a técnica fere a pele do poema, machuca-o, porém não o constitui como possibilidade de reinventar o ser, de fingir a tal dor sentida, como defende Pessoa, em Autobiografia, a poesia de Ana Luiza bebe da fonte original: fala de sua aldeia, mas não se prende a ela; fala de si, sem abrir mão da sintonia com o outro.

A matéria de Ana Luiza é o prosaico, o cotidiano, aquilo que afeta qualquer pessoa, quer ela tenha consciência disso ou não. São as pequenas percepções sobre o estar no mundo que surgem vivificadas na poesia de Ana Luiza: ínfimas coisas que deixam de desimportar por meio do verso sensível, da arquitetura poética, repleta de versos livres, que envolve o leitor e ilumina seu escuro. Poesia que eleva as insignificâncias e altera sua essência.

E, embora o eu lírico se apresente, na maioria dos poemas, com uma alma feminina que se expõe, esta voz não é a voz de uma mulher: é a voz de todo aquele ou aquela que se entende como ser de vontades, algumas negadas, caladas; ser de afetos pelo amante, pelo pai, pelo filho, pela cidade de origem ou pela cidade adotada e até mesmo por uma praça vazia de gentes, ser que se pretende sujeito de sua felicidade, mesmo que ela se faça aos pedaços.

Ana Luiza Antunes faz-se assim poeta: pássara, necessária, significante.

Olhos de Vênus — Ana Luiza Antunes

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